domingo, 13 de março de 2011

Aqueles olhos...

"Working from seven to eleven every night
It really makes life a drag, I don't think that's right"

Era a terceira vez que tocava a mesma música. Ele havia acordado com uma supra vontade de ouvir um Led aquele dia quantas vezes fosse possível, e aquela melodia de "blues pra fazer amor" mais a letra irremediavelmente nostálgica, lhe fizeram apertar o repeat e deixar rolar enquanto fervia a água pra passar o café. Foi até a janela. A visão naquele andar não era das melhores, mas por aquele preço não podia reclamar. O tempo ajudava. Era uma tarde de um daqueles típicos domingos de outono: pouco sol e uma brisa suave no rosto. Preocupou-se só em acender o cigarro e cerrar os olhos. Pensava na vida, que diga-se de passagem não havia sido muito grata até então; se teria se dado melhor, ou se teria sido mais fácil se fosse tão filho da puta como uns caras que conhecia e que estavam numa boa. Mas definitivamente não tinha vocação pra ser esse tipo de gente. Pensou nos pais, há tempos devia uma visita que durasse mais de uma hora; pensou nos amigos, que não eram muitos mas profundamente leais; lembrou até da filha do síndico, uma ninfeta deliciosa que há dias ele bolava um plano mirabolante pra comê-la.
-"Foda!" suspirou quase que lamentando. Eram dias ruins aqueles, ou como gostava de dizer eram dias desleais. Havia metido o pé no trampo na semana anterior, achava injusto ter que trabalhar aos fins de semana por um salário medíocre e ainda por cima ser subordinado de um playboy puxa-saco visivelmente gay. Não que tivesse algo contra os gays, até os achava engraçados com suas peculiaridades. Certa vez um deles o apresentou à uma amiga e teve uma noite inesquecível, mas fazia questão de frisar que não devia favores por tal ato.
Na mesa de centro, o jornal cravava a data do dia anterior. Pegou e foi aos classificados ver se havia algum emprego digno sem playboys-puxa-sacos-boiolas, mas antes deu uma passada nos quadrinhos.
Era fascinado pelas tirinhas de "Hagar-O Terrível". Na página anterior lia-se uma coluna social assinada por uma madame qualquer que não tinha o que fazer e falava sobre festas da high society paulistana; nunca havia lido, mas naquela falta do que fazer resolver passar os olhos. Uma inauguração de uma badalada casa noturna era a bola da vez. Entre fotos dos frequentadores, modelos contratadas e artistas do primeiro escalão.Uma em especial lhe chamou a atenção: já havia visto aqueles olhos antes!
-"Não pode ser... será?" - falou consigo mesmo.Sim, era ela!
-"Porra, será que ela voltou a modelar?" Parecia não acreditar, mas sua pupila já dilatada e o coração acelerado não permitiam tal dúvida. Aí se deu conta que aquela com quem havia trocado juras de amor, amantes daquele "beijo punk" e dividido inúmeras mesas de bar havia  reaparecido em sua vida. O fim dos dois tinha sido aqueles do tipo "a gente se vê por aí..." quando por medo ou covardia de dizer um sonoro adeus, deixa-se chegar no ocaso dos sentimentos pela dolorosa ação do tempo. Levantou meio desnorteado pela visão que tivera, aquela altura do campeonato não era um bom momento para tais lembranças afetivas; mas quem disse que tem hora pra isso acontecer? Foi até a cozinha, a água havia fervido e enquanto passava o café ficou remoendo as noites que passaram juntos, e aqueles verdes olhos... Em contraste, caia na real
e se lembrava da atual situação financeira e profissional, que não faria inveja nem a um morador de rua. Tentou matar aquela lembrança, se recordando de tantas outras garotas que haviam passado por sua vida depois dela, das viagens, das porra louquices; mas aqueles olhos verdes teimavam em vir em sua mente. De súbito, pensou em aceitar aquele trabalho com seu tio no interior. - "Seria bom pra esfriar a cabeça" pensou. Lembrou de um amigo que certa vez, bêbado, lhe disse que numa situação dessas a melhor coisa a se fazer é mudar de cidade, de bairro, de país! Mas não, isso já seria covardia. Fugir de algo, por pior que fosse nunca foi de seu feitio. Achou melhor não adoçar o café daquela vez. Pegou o fatídico jornal e amassou-o - não sem dar uma última olhada - lançou-o no lixo junto a caixa de pizza da noite passada e cascas de banana prata. Encheu a velha xícara com um café mais forte que o normal, voltou a sala e ouviu a última estrofe que dizia:
"Baby, since I've been loving you
I'm about to lose, I'm about lose to my worried mind"

Desligou. Não queria mais ouvir nada. Acendeu outro cigarro e deu um gole no café. Olhou pela janela, nada havia mudado, ainda era outono...

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